Créditos da foto: Fernanda Romero

Créditos da foto: Fernanda Romero

terça-feira, 4 de junho de 2013

Manual de sobrevivência

Dia desses, sabe-se lá porquê, comecei a conversar com minha professora sobre livros de auto-ajuda. Não, não se tratava de sugestões dos melhores títulos de uma de nós para a outra, como podem vir a pensar, mas sobre o aparente declínio desse segmento e do surgimento de serviços para ajudar a si próprio, como os coaching’s (serviço em que, resumidamente, o profissional dessa área ajuda as pessoas a desenvolver habilidades para gestão do seu tempo e liderança, por exemplo, por meio de técnicas especializadas) e os personals, como o stylist (de moda), o personal hair (de cabelo), entre tantos outros. Tudo com expressões em Inglês, pra dar o ar chiquetê e de exclusividade pra coisa.

Já adianto que nenhuma de nós estávamos criticando essas formas de se auto-ajudar, longe disso, mas como a sociedade cada dia mais vem buscando por esses tipos de serviço e, consequentemente, mais empresas e pessoas vêm oferecendo esse tipo de trabalho.

Faz sentido. Num mundo onde uma parte considerável de mulheres trabalham fora, é compreensível que muitas busquem apoio em empresas de organização doméstica para dar conta do recado e chegarem inteiras ao final do dia.

A sociedade muda, o mundo do trabalho muda junto. Surgem novas possibilidades de atuação profissional, mais oportunidades para pessoas que buscam empreender um negócio próprio que, com o tempo, precisarão contratar colaboradores para essas empresas, se abrirão novas oportunidades de emprego, mais pessoas com renda, a economia movimenta e todos ganham no final. Uma coisa puxa a outra. Até aí, muito legal.

Mas essa conversa me fez pensar também sobre outro aspecto da questão, reforçada por uma daquelas coincidências do destino. Domingão, abro um portal de um certo grande jornal e me deparo com uma das suas principais “notícias”: “Manual da boa convivência urbana”.

Com honestidade, nem cheguei a abrir o link, talvez por isso posso até estar fazendo um mal pré-julgamento da coisa (e já peço desculpas de antemão se realmente a matéria ter sido muito surpreendente, o que de verdade, não acredito), mas o simples título “Manual da convivência urbana”, num grande jornal em pleno domingo, como uma de suas matérias principais, no topo da página, me fez dar um passinho pra trás e pensar que algo de muito estranho  vem acontecendo na nossa sociedade.

Péra. Manual da Convivência urbana. Acredito eu que regras básicas pra conviver bem em sociedade já tenha nos sido ensinado (ou ao menos deveria) desde crianças, o tal do “faça com os outros somente o que gostaria que fizessem com você” e do “só ultrapasse quando o sinal estiver verde”, ou não?

Pessoas, para se inserirem no contexto social, cada um com suas regras e valores culturais, sempre precisaram de bases, nortes, horizontes. Caso contrário, seria impossível uma boa convivência humana. Ficaríamos todos “batendo cabeça” por aí, cada um indo pra um lado e chegando a lugar nenhum.

Sempre foi assim. Desde os tempos das cavernas, os homens aprendiam uns com os outros  habilidades elementares para viver, como caçar e pescar e se organizar socialmente, mesmo que não se comunicassem como nós, por meio da linguagem oral, basicamente. Não fosse o contato e o aprendizado uns com os outros, impossível seria a sobrevivência.

Tempos depois, na Idade Média, num tempo em que crianças ainda eram vistas como “adultos em miniatura”, ou seja, à criança não era atribuída características comuns ao nosso conceito de infância atual, como fragilidade e necessidade de proteção e de aprendizado gradual de vida e de mundo (sim, isso foi normal um dia!), ainda assim elas aprendiam por meio do contato social valores e formas de entender e estar no mundo, mesmo que à elas não era destinada uma forma de Educação específica tal como para as crianças de hoje.

E assim o mundo foi. Mães ensinando suas filhas habilidades importantes para uma “mulher de valor”, como cozinhar, tratar bem o marido e cuidar dos filhos. Pais orientando filhos para serem “homens de bem”, terem uma profissão (muitas vezes, até de certa forma forçando-os a seguirem as mesmas que as deles, ou alguma que eles sempre sonharam e não tiveram oportunidade...), avós, cozinheiras de mão cheia, ensinando truques que vez ou outra nos salvam em situações do dia a dia até hoje (mesmo que aquele tempero especial elas não revelassem a ninguém).

De alguma forma, sempre fomos ensinados a acreditar que o ensinamento que vem de fora é o que tem valor. Se está escrito no livro, está certo. Se a professora disse, então é. Minha mãe falou, só pode ser isso.

Acredito que venha daí a necessidade que temos de que alguém nos diga sempre, hoje em dia ainda mais, o que e como fazer. Como ser, o que vestir, como se comportar aqui e lá. Porque um dia fomos ensinados que o que vem de fora é que está certo. E parece que, hoje em dia, o motor que move a sociedade sempre vem de algo fora de nós. Tendências, modismos, opiniões sobre isso ou aquilo.

O que está certo é o que vem de fora. Se todo mundo está dizendo que é, então é porque é. Se todos dizem que as loiras são a bola da vez, então eu é quem devo me adequar ao mundo. Se minha imagem é importante para minha carreira, e minhas percepções de vida e meu credo no meu próprio bom-senso não são tão de confiança assim, então melhor eu pagar alguém que me diga como eu devo me vestir naquela reunião importantíssima que definirá os rumos da minha vida profissional.

Num mundo onde existe hoje algo chamado Internet, onde qualquer pessoa pode colocar lá conteúdo (seja ele bom ou mal) e ser acessado por milhares, milhões de pessoas de qualquer lugar do planeta, num universo digital pautado pela instantaneidade e efemeridade e, principalmente, onde o marketing é o que efetivamente conduz a opinião pública pra fins pré-determinados e o que está “em alta” (ou seja, tem mais verba pra aparecer mais e melhor) é o que é “bom”, a capacidade de análise e reflexão das pessoas torna-se cada vez menor. Será que realmente isso é o melhor pra mim? Será que eu realmente preciso disso?

E diante de tudo isso, me preocupa é a formação das novas gerações. Será que não estaremos formando futuramente adultos que serão adolescentes eternos, com necessidade eterna de se adequar ao grupo e que necessitam, cada vez mais, de outras vozes que os digam o que é o certo e o que é errado nesse mundo de constantes incertezas?






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