Dia desses, sabe-se lá porquê, comecei a conversar com minha
professora sobre livros de auto-ajuda. Não, não se tratava de sugestões dos
melhores títulos de uma de nós para a outra, como podem vir a pensar, mas sobre
o aparente declínio desse segmento e do surgimento de serviços para ajudar a si
próprio, como os coaching’s (serviço em que, resumidamente, o profissional dessa
área ajuda as pessoas a desenvolver habilidades para gestão do seu tempo e liderança, por exemplo, por meio de técnicas especializadas) e os
personals, como o stylist (de moda), o personal hair (de
cabelo), entre tantos outros. Tudo
com expressões em Inglês, pra dar o ar chiquetê e de exclusividade pra coisa.
Já adianto que nenhuma de nós estávamos criticando essas
formas de se auto-ajudar, longe disso, mas como a sociedade cada dia mais vem
buscando por esses tipos de serviço e, consequentemente, mais
empresas e pessoas vêm oferecendo esse tipo de trabalho.
Faz sentido. Num mundo onde uma parte considerável de
mulheres trabalham fora, é compreensível que muitas busquem apoio em empresas
de organização doméstica para dar conta do recado e chegarem inteiras ao final do
dia.
A sociedade muda, o mundo do trabalho muda junto. Surgem novas
possibilidades de atuação profissional, mais oportunidades para pessoas que
buscam empreender um negócio próprio que, com o tempo, precisarão contratar colaboradores
para essas empresas, se abrirão novas oportunidades de emprego, mais pessoas
com renda, a economia movimenta e todos ganham no final. Uma coisa puxa a
outra. Até aí, muito legal.
Mas essa conversa me fez pensar também sobre outro aspecto
da questão, reforçada por uma daquelas coincidências do destino. Domingão, abro
um portal de um certo grande jornal e me deparo com uma das suas principais
“notícias”: “Manual da boa convivência urbana”.
Com honestidade, nem cheguei a abrir o link, talvez por isso
posso até estar fazendo um mal pré-julgamento da coisa (e já peço desculpas de
antemão se realmente a matéria ter sido muito surpreendente, o que de verdade,
não acredito), mas o simples título “Manual da convivência urbana”, num grande
jornal em pleno domingo, como uma de suas matérias principais, no topo da
página, me fez dar um passinho pra trás e pensar que algo de muito estranho vem acontecendo na nossa sociedade.
Péra. Manual da Convivência urbana. Acredito eu que regras
básicas pra conviver bem em sociedade já tenha nos sido ensinado (ou ao menos
deveria) desde crianças, o tal do “faça com os outros somente o que gostaria
que fizessem com você” e do “só ultrapasse quando o sinal estiver verde”, ou
não?
Pessoas, para se inserirem no contexto social, cada um com
suas regras e valores culturais, sempre precisaram de bases, nortes,
horizontes. Caso contrário, seria impossível uma boa convivência humana.
Ficaríamos todos “batendo cabeça” por aí, cada um indo pra um lado e chegando a
lugar nenhum.
Sempre foi assim. Desde os tempos das cavernas, os homens
aprendiam uns com os outros habilidades
elementares para viver, como caçar e pescar e se organizar socialmente, mesmo
que não se comunicassem como nós, por meio da linguagem oral, basicamente. Não
fosse o contato e o aprendizado uns com os outros, impossível seria a
sobrevivência.
Tempos depois, na Idade Média, num tempo em que crianças
ainda eram vistas como “adultos em miniatura”, ou seja, à criança não era
atribuída características comuns ao nosso conceito de infância atual, como
fragilidade e necessidade de proteção e de aprendizado gradual de vida e de
mundo (sim, isso foi normal um dia!), ainda assim elas aprendiam por meio do
contato social valores e formas de entender e estar no mundo, mesmo que à elas não era destinada uma forma de Educação específica tal como para as crianças de hoje.
E assim o mundo foi. Mães ensinando suas filhas habilidades
importantes para uma “mulher de valor”, como cozinhar, tratar bem o marido e cuidar
dos filhos. Pais orientando filhos para serem “homens de bem”, terem uma
profissão (muitas vezes, até de certa forma forçando-os a seguirem as mesmas
que as deles, ou alguma que eles sempre sonharam e não tiveram
oportunidade...), avós, cozinheiras de mão cheia, ensinando truques que vez ou
outra nos salvam em situações do dia a dia até hoje (mesmo que aquele tempero
especial elas não revelassem a ninguém).
De alguma forma, sempre fomos ensinados a acreditar que o
ensinamento que vem de fora é o que tem valor. Se está escrito no livro, está
certo. Se a professora disse, então é. Minha mãe falou, só pode ser isso.
Acredito que venha daí a necessidade que temos de que alguém
nos diga sempre, hoje em dia ainda mais, o que e como fazer. Como ser, o que
vestir, como se comportar aqui e lá. Porque um dia fomos ensinados que o que
vem de fora é que está certo. E parece que, hoje em dia, o motor que move a sociedade sempre
vem de algo fora de nós. Tendências, modismos, opiniões sobre isso ou aquilo.
O que está certo é o que vem de fora. Se todo mundo está
dizendo que é, então é porque é. Se todos dizem que as loiras são a bola da
vez, então eu é quem devo me adequar ao mundo. Se minha imagem é importante
para minha carreira, e minhas percepções de vida e meu credo no meu próprio
bom-senso não são tão de confiança assim, então melhor eu pagar alguém que me
diga como eu devo me vestir naquela reunião importantíssima que definirá os
rumos da minha vida profissional.
Num mundo onde existe hoje algo chamado Internet, onde
qualquer pessoa pode colocar lá conteúdo (seja ele bom ou mal) e ser acessado
por milhares, milhões de pessoas de qualquer lugar do planeta, num universo
digital pautado pela instantaneidade e efemeridade e, principalmente, onde o marketing
é o que efetivamente conduz a opinião pública pra fins pré-determinados e o que
está “em alta” (ou seja, tem mais verba pra aparecer mais e melhor) é o que é
“bom”, a capacidade de análise e reflexão das pessoas torna-se cada vez menor. Será que realmente isso é o melhor pra mim? Será que eu realmente preciso disso?
E diante de tudo isso, me preocupa é a formação das novas
gerações. Será que não estaremos formando futuramente adultos que serão
adolescentes eternos, com necessidade eterna de se adequar ao
grupo e que necessitam, cada vez mais, de outras vozes que os digam o que é o certo
e o que é errado nesse mundo de constantes incertezas?